8 de maio de 2008

Modernidade (LFV)

- Mãe, vou casar!
- Jura, meu filho?! Estou tão feliz! Quem é a moça?
- Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Murilo.
- Você falou Murilo... Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?
- Eu falei Murilo. Por que, mãe? Tá acontecendo alguma coisa?
- Nada, não... Só minha visão que está um pouco turva. E meu coração,que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo ótimo.
- Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo...
- Problema? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Ou isso.
- Você vai ter uma nora. Só que uma nora... Meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea...
- E quando eu vou conhecer o meu.. A minha.. O Murilo?
- Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.
- Tá ! Biscoito... Já gostei dele.. Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui?
- Por quê?
- Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.
- Você acha que o Papai não vai aceitar?
- Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver.. Mas isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade. E olha que espetáculo: as duas metades com bigode.
- Mãe, que besteira... Hoje em dia praticamente todos os meus amigos são gays.
- Só espero que tenha sobrado algum que não seja... Pra poder apresentar pra tua irmã.
- A Bel já tá namorando.
- A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada.. Quem é?
- Uma tal de Veruska.
- Como?
- Veruska...
- Ah bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.
- Mãe!!
- Tá, tá... Tudo bem... Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto.
- Por que não? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.
- Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?
- Quando ele era hétero... A Veruska.
- Que Veruska?
- Namorada da Bel...
- Peraí. A ex-namorada do teu atual namorado... É a atual namorada da tua irmã. Que é minha filha também... Que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco...
- É isso. Pois é... A Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.
- De quem?
- Da Bel.
- Mas logo da Bel ?! Quer dizer então... Que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela,que é a Veruska .
- Isso.
- Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito, filha da Veruska e filha da Bel.
- Em termos...
- A criança vai ter duas mães : você e o Biscoito. E dois pais: a Veruska e a Bel.
- Por aí...
- Por outro lado, a Bel, além de mãe, é tia... Ou tio... Porque é tua irmã.
- Exato.
- E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska... Com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.
- Só trocar, né? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.
- Exato!
- Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi...
- Entendeu o quê?
- Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!
- Que swing, mãe?!
- É swing, sim! Uma troca de casais... Com os óvulos e os espermatozóides, uma hora no útero de uma, outra hora no útero de outra...
- Mas...
- Mas uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior...Com incesto no meio!
- A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...
- Sei! E quando elas quiserem ter filhos...
- Nós ajudamos.
- Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide... A única coisa que eu entendi é que...
- Que...?
- Fazer árvore genealógica daqui pra frente vai ser foda!

(Luís Fernando Veríssimo)

7 de maio de 2008

Ela

Inspirado por um Nei em mim....

"O que que eu vou fazer pra te esquecer, se já não se lembras, apenas amas por mim
por que estou tão down, se o mundo não é tão ruim
como vou fazer pra amar você, se não tenho nada dentro de mim

Já não sei mais como viver, ontem estava calmo, hoje não mais
ser feliz é tão difícil sem você, mesmo que não queiras, preciso de ti
sabes o que sinto, mas não sei como explicar,
preciso te ver sorrindo, "mais leve que o ar".

Estar contigo é sentir o infinito, mesmo difícil de olhar
sinto um pássaro lindo invadindo o seu olhar.
"que nem um adeus pode apagar".

francoa

5 de maio de 2008

Saudosismo

Saudoso é aquele que superestima o passado. É comum nas fases mais adiantadas da vida. Crianças não são saudosistas, obviamente porque não tem ainda um passado a considerar. Entre os jovens o saudosismo pode se manifestar, mas não tão intenso e freqüente. É com os idosos, principalmente, que o saudosismo assume suas formas mais extremadas. O saudosista geralmente começa seus discursos dizendo “No meu tempo as coisas eram diferentes...” ou “Antigamente, sim, era bom...” e depois emenda o relato da época gloriosa que já não existe mais.

Eu, que já não sou mais criança, mas que tampouco posso me considerar um sujeito de longa dada, senti-me recentemente possuído por um tipo peculiar de saudosismo. Digo “peculiar” pois se trata da saudade de um tempo que eu não vivi. Sim, senti saudade de uma época que não foi a minha época. Senti saudade da mística e distante época dos deuses mitológicos. Parece estranho e, por que não dizer, estúpida uma saudade de um tempo tão arcaico. Muito mais se se levar em consideração toda a riqueza que o desenvolvimento da ciência coloca, hoje, a nossa disposição. No entanto, foi o que aconteceu.

Tudo começou com uma seqüência tediosa de dias chuvosos. Não que eu não goste de chuva, só que, depois de quatro dias o fenômeno começa a me deixar cansado e um tanto quanto angustiado. E, de fato, foi essa angustia gerada pelo mau tempo que me fez invejar o período mitológico. Por quê? Simplesmente porque, naquela época as pessoas sabiam exatamente com quem se incomodar. Havia um deus da chuva. Ele era o responsável, ou melhor, o culpado. Podiam mencioná-lo nas conversas (“É, Tor deve mesmo estar de mau humor...”), xingá-lo (“Oh, deus sem compaixão, não lhe comove tantos desabrigados?”) e, até, se fosse o caso, agradá-lo com oferendas e hinos, na esperança de que o bom humor do deus (os deuses costumavam ser meio temperamentais, naquela época) se refletisse nas condições do clima.

E hoje, nós, a quem podemos dirigir nossos protestos e nossos clamores? A ciência, com todas as suas explicações nos deixou sem bodes expiatórios. Como conseqüência, ficamos com a angústia de quem está insatisfeito e não tem para quem se queixar. Eis a nossa desvantagem em relação a antiguidade mitológica: não temos a quem vos voltar. Resta-nos apenas a resignação. E nem adianta pensar nos metereologistas; eles são tão inocentes nessa história quanto qualquer outro reles mortal. Exceto pelas confusões que causam quando antevêem um belo dia de sol, com temperaturas amenas, e tais previsões simplesmente “esquecem” de acontecer.

O pior de tudo é que isso vale analogamente para a política. Sentimo-nos descontentes e, não obstante, não sabemos com quem reclamar. Estamos sempre a volta com escalões, comissões... Acontece quase tudo, não muda quase nada. E os responsáveis nunca aparecem. Nos resta a resignação. Sempre, novamente, apenas a resignação. Protestar? Contra quem? Contra todos, alguém vai dizer. Mas o todo é indeterminado e, por fim, não é ninguém. E então ficamos com aquela sensação rabugenta de que protestar contra a política é tão insensato quanto protestar contra o mau tempo.


marcelo doro