5 de maio de 2008

Saudosismo

Saudoso é aquele que superestima o passado. É comum nas fases mais adiantadas da vida. Crianças não são saudosistas, obviamente porque não tem ainda um passado a considerar. Entre os jovens o saudosismo pode se manifestar, mas não tão intenso e freqüente. É com os idosos, principalmente, que o saudosismo assume suas formas mais extremadas. O saudosista geralmente começa seus discursos dizendo “No meu tempo as coisas eram diferentes...” ou “Antigamente, sim, era bom...” e depois emenda o relato da época gloriosa que já não existe mais.

Eu, que já não sou mais criança, mas que tampouco posso me considerar um sujeito de longa dada, senti-me recentemente possuído por um tipo peculiar de saudosismo. Digo “peculiar” pois se trata da saudade de um tempo que eu não vivi. Sim, senti saudade de uma época que não foi a minha época. Senti saudade da mística e distante época dos deuses mitológicos. Parece estranho e, por que não dizer, estúpida uma saudade de um tempo tão arcaico. Muito mais se se levar em consideração toda a riqueza que o desenvolvimento da ciência coloca, hoje, a nossa disposição. No entanto, foi o que aconteceu.

Tudo começou com uma seqüência tediosa de dias chuvosos. Não que eu não goste de chuva, só que, depois de quatro dias o fenômeno começa a me deixar cansado e um tanto quanto angustiado. E, de fato, foi essa angustia gerada pelo mau tempo que me fez invejar o período mitológico. Por quê? Simplesmente porque, naquela época as pessoas sabiam exatamente com quem se incomodar. Havia um deus da chuva. Ele era o responsável, ou melhor, o culpado. Podiam mencioná-lo nas conversas (“É, Tor deve mesmo estar de mau humor...”), xingá-lo (“Oh, deus sem compaixão, não lhe comove tantos desabrigados?”) e, até, se fosse o caso, agradá-lo com oferendas e hinos, na esperança de que o bom humor do deus (os deuses costumavam ser meio temperamentais, naquela época) se refletisse nas condições do clima.

E hoje, nós, a quem podemos dirigir nossos protestos e nossos clamores? A ciência, com todas as suas explicações nos deixou sem bodes expiatórios. Como conseqüência, ficamos com a angústia de quem está insatisfeito e não tem para quem se queixar. Eis a nossa desvantagem em relação a antiguidade mitológica: não temos a quem vos voltar. Resta-nos apenas a resignação. E nem adianta pensar nos metereologistas; eles são tão inocentes nessa história quanto qualquer outro reles mortal. Exceto pelas confusões que causam quando antevêem um belo dia de sol, com temperaturas amenas, e tais previsões simplesmente “esquecem” de acontecer.

O pior de tudo é que isso vale analogamente para a política. Sentimo-nos descontentes e, não obstante, não sabemos com quem reclamar. Estamos sempre a volta com escalões, comissões... Acontece quase tudo, não muda quase nada. E os responsáveis nunca aparecem. Nos resta a resignação. Sempre, novamente, apenas a resignação. Protestar? Contra quem? Contra todos, alguém vai dizer. Mas o todo é indeterminado e, por fim, não é ninguém. E então ficamos com aquela sensação rabugenta de que protestar contra a política é tão insensato quanto protestar contra o mau tempo.


marcelo doro


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