30 de setembro de 2008

O ovo e a galinha

Quem veio antes, o ovo ou a galinha? Este é, talvez, o mais velho paradoxo levantado pela “inteligência” humana. Se alguém chegou a pender o sono pensando na solução não se sabe, mas que era intrigante era. Hoje sabemos a resposta: o ovo veio antes. É que, segundo as teorias da biologia evolucionista, a galinha descende de espécies mais primitivas de vida réptil que, muito antes dela, já botavam ovos. Assim, devido a algumas pequenas e sucessivas mutações genéticas, acabou saindo de dentro de um ovo de dinossauro a primeira galinha. Ou quase isso, pois é de se supor que a galinha primitiva não era tão moderna quanto as que conhecemos. (Sei o que você está pensando: tivemos, sim, muita sorte de a galinha não descender diretamente do grande Tiranossauro Rex!).

Tudo estaria bem se essa resposta de fato resolvesse o paradoxo. Acontece que ela não faz isso. Essa resposta apenas troca o problema de lugar. Trata-se, agora, de saber se foi o dinossauro ou o ovo que apareceu primeiro. Claro que a ciência pode resolver mais esse impasse, mas não quero prosseguir por este caminho. É um caminho tortuoso demais, assim como são tortuosos todos os caminhos da ciência em busca da verdade. Sobre isso é que quero falar. Desconfio que toda essa complexidade seja, no fim das contas, o grande obstáculo para a aceitação da ciência. A ciência é complicada demais.

Não se deve a isso, será, a ainda elevada aceitação de Deus por parte das pessoas? Deus é um conceito simples, basta acreditar. E para quem acredita, assim como um graça, todas as respostas são aplainadas. A crença simplifica o mundo. Pergunte a um crente sobre o paradoxo do ovo e da galinha e ele responderá: Deus criou a galinha e a dotou da faculdade de por ovos; logo, primeiro veio a galinha e depois o ovo. Fácil assim.

As respostas da ciência são, geralmente, difíceis de entender. Suas verdades são complexas. E as pessoas não querem verdades complexas. Porque as pessoas esperam apenas duas coisas da verdade: primeiro, que esteja disponível e, depois, que seja simples.


* * *

Também tem uma resposta lógica: se o ovo em questão no paradoxo for um ovo de galinha, então, necessariamente a galinha veio antes. Porque não é possível existir um ovo “de” galinha sem que primeiro exista “a” galinha. Mas isso também é um tanto complicado...



marcelo doro

21 de setembro de 2008

Nalgum lugar

"Nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio: no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto.

Teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra, embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar. Me abres sempre pétala por pétala como a primavera abre (tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa. Ou se quiseres me ver fechado, eu e minha vida nos fecharemos belamente, de repente. Assim como o coração desta flor imagina, a neve cuidadosamente descendo em toda a parte. Nada que eu possa perceber neste universo iguala o poder de tua intensa fragilidade: cuja textura compele-me com a cor de seus continentes, restituindo a morte e o sempre cada vez que respiras. Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre, só uma parte de mim compreende que a luz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas.

Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas".

E. E. Cummings.

Leomaris W.

17 de setembro de 2008

Eco de sentimentos




É uma ilusão achar que viver é indolor. Sempre sofremos por alguma coisa, pois não existe plenitude. A solidão bate à minha porta avisando-me que passaremos algumas temporadas juntas, e não adianta eu falar que ela não é bem vinda, pois de alguma forma, ela aloja-se num cantinho escuro e fica à espreita de um momento de sóbria embriaguez para tomar conta do que antes era felicidade.
Então, eu digo: bem vinda! E ouço sua respiração próxima, como se ela fosse outra pessoa, alguém que eu quisesse muito ter por perto, ao lado, dentro.
Penso: ela é o vento que me abraça, me provoca e me envolve com o acariciar de seu sopro. Seu amor é causa e efeito, completa meu coração. É ele quem me inspira, me deixa forte e as vezes, fraca, sensível e docemente deprimida. Impossível olhar o céu e não ver o brilho dos teus olhos e isso me faz bem. Não quero te decifrar. Mantenha o seu silêncio e guarde as suas palavras. Eu me contento em sentir a sua boca próxima da minha e é provável que eu nunca vá saber, pois tu nunca vais mostrar.
De todas as minhas incertezas e angústias, resta algo concreto: tu preenches o meu mundo, embora em alguns momentos, eu não me sinta conectada a ti... mas em outros tenho a certeza de nossa bela sintonia. Eu temo se, por ventura, um dia não eu consiga ser paciente, compreensiva ou uma boa ouvinte de palavras não ditas. Minhas justificativas nem sempre levam a uma solução, mas elas são plenas de boas intenções. Gosto da minha vida tranqüila e do silêncio, mas tu és a tempestade que eu preciso.



Leomaris W.

16 de setembro de 2008

Apocalipse (LHC)

Os estudiosos protestam, mas, no vocabulário popular, Apocalipse é sinônimo de “fim do mundo”. É comumente apresentado como a luta final de Deus contra os ímpios. Evidentemente, trata-se de uma profecia antiga, do tempo em que não existia a ciência tal como a conhecemos e as explicações e especulações mundanas eram sustentadas em bases místicas.

Ironicamente, hoje é a própria ciência que motiva especulações acerca de uma possível catástrofe planetária. Os experimentos com o acelerador de partículas Large Hedron Colider (Grande Colisor de Hádrons, LHC na sigla em inglês) vem causando grande alvoroço, vista a imprecisão acerca de seus resultados. Eu não entendo muito bem como as coisas funcionam nesse âmbito – o âmbito do infinitamente pequeno – e, ao que parece, os cientistas que comandam o empreendimento, apesar de saberem muito mais do que eu, também não sabem o suficiente. De fato, esperam que a realização do experimento com o LHC lhes revele algo de significativo. Ou seja, eles esperam que o experimento revele a natureza daquilo que estão ingenuamente manipulando. Essa ignorância de base que ronda o empreendimento tem motivado alguns medos. E não são um medos absolutamente descabidos.

Os mais pessimistas, ou, em outras palavras, os mais temerosos acreditam que o LCH pode criar um buraco negro com força suficiente para tragar toda a massa do nosso adorável e mal cuidado planeta. Os responsáveis pelo projeto despistam dizendo que a chance de acontecer uma tragédia nessas dimensões e muito, muito pequena. A probabilidade seria de uma em 50 milhões. Convenhamos, é difícil de acontecer. Opa!, essa não é também probabilidade de alguém acertar os números da loteria? Sim, acredite, a probabilidade de o mundo acabar em um experimento científico é a mesma que você acertar os números da loteria. E não fique aliviado por nunca ter ganho na loteria. Saiba que muita gente já ganhou. É difícil, mas acontece. (Eu fico pensando: será que as pessoas que já tiveram a estrondosa sorte de ganhar na loteria, sentem-se mais preocupadas, agora?).

No mais, tenho um pé atrás com esses cientistas. Eles são bons no que fazem. Sim, são muito bons. Mas, que coisa, nem os Hackers eles conseguem manter sob controle...





O pior de tudo, se o mundo nosso acabar, é que não vai sobrar ninguém para filosofar a respeito.


[marcelo doro]

9 de setembro de 2008

Deixando o Pago

"Alcei a perna no pingo, E saí sem rumo certo
Olhei o pampa deserto, E o céu fincado no chão,
Troquei as rédeas de mão, Mudei o pala de braço,
E vi a lua no espaço, Clareando todo o rincão.

E a trotezito no mais, Fui aumentando a distância,
Deixar o rancho da infância, Coberto pela neblina,
Nunca pensei que minha sina, Fosse andar longe do pago,
E trago na boca o amargo, Dum doce beijo de china.

Sempre gostei da morena, É a minha cor predileta,
Da carreira em cancha reta, Dum truco numa carona,
Dum churrasco de mamona, Na sombra do arvoredo,
Onde se oculta o segredo, Num teclado de cordeona.

Cruzo a última cancela, Do campo pro corredor,
E sinto um perfume de flor, Que brotou na primavera.
À noite, linda que era, Banhada pelo luar,
Tive ganas de chorar, Ao ver meu rancho tapera.

Como é linda a liberdade, Sobre o lombo do cavalo,
E ouvir o canto do galo, Anunciando a madrugada,
Dormir na beira da estrada, Num sono largo e sereno,
E ver que o mundo é pequeno, E que a vida não vale nada.

O pingo tranqueava largo, Na direção de um bolicho,
Onde se ouvia o cochicho, De uma cordeona acordada,
Era linda a madrugada, A estrela dÂ’alva saía,
No rastro das três marias, Na volta grande da estrada.

Era um baile, um casamento, Quem sabe algum batizado,
Eu não era convidado, Mas tava ali de cruzada,
Bolicho em beira de estrada, Sempre tem um índio vago,
Cachaça pra tomar um trago, Carpeta pra uma carteada.

Falam muito no destino, Até nem sei se acredito,
Eu fui criado solito, Mas sempre bem prevenido,
Índio do queixo torcido, Que se amansou na experiência,
Eu vou voltar pra querência, Lugar onde fui parido."

francoa

8 de setembro de 2008

A banalização da cultura


Há algum tempo, eu passava em frente à tv, quando uma canção chamou minha atenção. Tratava-se da Srta. Spektor: cantora e pianista russa radicada em New York. Para minha surpresa era minha música favorita tocando na novala das 9 (!). A partir disso, lembrei de outro episódio. Foi em 1995 (eu era uma fedelha), na Malhação que ouvi e vi pela primeira vez a Srta. Morissette. Amor à primeira vista, pois identifiquei-me com aquela guria cabeluda, grunge e que soltava os agudos mais agudos qu´eu jamais ouvira igual.
São duas situações semelhantes, mas que causaram sensações diferentes e fizeram-me refletir sobre um assunto: a (boa) cultura é para todos? Eu sempre tive uma opinião crítica a respeito, porque considero que nem todos que ouvem a Regina tocando como trilha sonora de casal de novela sabem da sua potencialidade e principalmente, a grande artista que é. No máximo, acham a canção "bonitinha" e colocam-na no seu mp3 para cantarolar o refrão depois.
Quando Alanis veio ao Brasil pela primeira vez, era pouco conhecida. Depois, retornou e apareceu novamente numa novela. Eis a questão! Será que para o artista vir para cá ele precisa necessariamente aparecer num veículo de comunicação como a Globo? Assim o povão terá conhecimento, logo, o artista terá "público" garantido em seu provável show.
Posso estar enganada a respeito ou no fundo, existe uma parcela de verdade neste argumento. De fato, penso que grande parte das pessoas não entendem a arte e aí entra uma outra questão peculiar que não abordarei agora mas é também de suma importância. Elas não compreendem porque os meios de comunicação e a mídia enfiam goela a baixo certos tipos de gostos musicais, cinematográficos e entreternimentos em geral. Tudo muito fácil de digerir, é verdade. Assim, os clássicos, as novidades interessantes, caem no esquecimento ou no não-conhecimento (?).
Não posso afirmar que, a Regina Spektor tornanado-se single na novela poderá vir ao Brasil, como tantos outros artistas que seguiram este rumo. Se para ela vir, a massa terá de escutá-la, que assim seja. Eu ficaria deveras feliz.

Leomaris W.

4 de setembro de 2008

La petite histoire

Dedicado.

Estavam todos reunidos num grande salão, comemorando algo sem importância, falando frivolidades de forma efusiva com o tom de voz nas alturas e propondo um brinde. Neste momento, ele entrou: sério e elegante. Era como um ímã, atraindo os olhos dela entre as menores aberturas na multidão. Sentou-se não muito próximo e fingiu que não a via. Ele sabia realmente como tirá-la do sério. Uma sensação incontrolável: quando ela percebeu, o rubor já tomara conta de sua face. Não havia como escapar, hoje seria o dia decisivo. Ambos sabiam que precisavam trocar algumas verdadeiras palavras e isso os deixava aflitos.
A refeição é finita. Cada um pegou sua taça de clicquot e foram para direções opostas. Ficaram não muito longe um do outro, somente um véu dividia parte da pequena sala que os separava. Cada olhar era como uma flechada e os suspiros dela eram inevitáveis. Foi então num ímpeto que ela avançou e foi até ele.
- Precisamos conversar – disse. Ele fez sinal positivo com a cabeça e seguiram em silêncio para o jardim. O vento batia nos cabelos dela, que estavam presos com um lenço. Mesmo assim, pela proximidade, o perfume suave de camomila o deixou sensível, pois, sabia que os aromas dela o faziam estremecer. Com o coração disparado, boca seca, mãos trêmulas, ele ficou mais próximo, pegou seu delicado rosto entre as mãos e começou a beijá-la, o gosto era tão bom quanto o cheiro.
- Se eu beijá-la novamente, não conseguirei mais parar – murmurou com a voz rouca.
Ela prendeu a respiração quando a mão dele envolveu seu seio. Ficaram assim por um longo tempo. Havia desejo no ar. Aquilo era perigoso, afinal, estavam no jardim, haviam muitos conhecidos na festa e esta atitude poderia comprometer a integridade de ambos.
Movidos por um misto de loucura e paixão deram mais um beijo, desta vez por outro ângulo. As mãos dele desceram pelas costas dela e foram até suas nádegas, tocando-as audaciosamente enquanto o beijo ficava cada vez mais quente. De frente um para o outro, trocavam chamas através dos olhos. Ela mordeu os lábios, denunciando seu estado de êxtase e frêmito e ele a pegou no colo. Pareciam duas metades que se complementavam. As pernas dela enlaçaram-se em sua cintura e quando perceberam, estavam fazendo amor...de forma intensa e voraz. A boca dele cobriu o seio dela, sugando-a, envolvendo-a, levando-a ao delírio. Seus corpos tornaram-se uma interminável ondulação de prazer. Ele sussurrava: - Minha bacante, minha valquíria!
Ela parecia suspensa no ar, mas ele a puxava contra si tornando o ritmo mais intenso e provocativo, um convite para visitar novamente o paraíso. Neste instante, ela já havia deixado o lenço cair, cabelos esvoaçantes , lábios corados, respiração forte e frenética condenava que o ápice logo chegaria. Juntos, foram às estrelas. Delicadamente, ele ajudou-a descer do seu colo e no mesmo momento, sem jeito, ela disse: - Preciso partir. Ajeitou a saia e retirou-se. Ele não conseguia balbuciar nenhuma palavra, o que mais queria era dar um abraço nela. Baixou o olhar e avistou um lenço de seda no chão. Já com uma sensação de nostalgia o pegou e lá estava o perfume dela: era como se pudesse reviver aqueles instantes tão intensos, que aconteceram há poucos minutos mas sabidamente não sairiam mais da memória. Momentos indeléveis e únicos.
Ele voltou para o salão. Avistou- a sentada com um grupo de amigos em comum. O sorriso de ambos era notado por todos, embora nenhum comentário fosse realizado. Nem precisava. Ele percebeu que ela era sua e sempre seria, mesmo estando longe, ela era a metade do todo.

Leomaris W.

3 de setembro de 2008

O brilho das estações



Deveria haver uma época para nos deprimirmos. Deveríamos poder programar nossos corações para os sentimentos: agora é hora de ficar feliz, ter euforia, exalar desejo. Não, agora é o momento de ficarmos em paz, meditativos. Gostaria de encomendar sensações, assim tudo seria mais simples. Ao que parece, o que mais existe são momentos inadequados para sentir. É preciso serenidade para manter os sentimentos sob controle, mantermos o controle, sermos auto-suficientes e capazes de ter a frieza necessária para espantar os devaneios e os medos.
A primavera dá seus precoces sinais: tudo ao redor está florido e calmo, exceto meu coração. É uma estação amena, não possui nem o calor abafado nem o frio que congela. Dois pólos distintos buscando o mesmo e ainda é inverno. Mas que confusão! Nós e o clima. Será que em algum momento cederemos, assim como uma estação cede à outra? Ou seremos autônomos o suficiente para mantermos as rédeas do suave ballet das emoções?
Nada respondo. Nada responde o desespero.
A beleza das estações e dos sentimentos devem ser aproveitados enquanto ainda há flores, enquanto ainda existem suspiros e principalmente, por quem suspirar. Tudo é efêmero: humores, sorrisos, prazeres. Não há como ser previsível. A previsibilidade enjoa, é chata.
Sincera mente, prefiro a tempestade que a calmaria de uma noite de verão.



*Imagem: A primavera, Claude Monet.


Leomaris W.

Marcas do tempo - XI Parte

Quando tudo parecia perdido, sempre surgia um homem com força, era uma força incomum, não levantava pesos, ou movia montanhas, mas fazia que todos esforçassem ao máximo, nem que fosse pela ultima gota de suor. Era um sorriso, uma palavra, ou até mesmo um breve olhar, e todos estavam carregados, era munição nova. E isto era realmente explosivo, facinante, como um simples gesto, por mais involuntário que fosse, poderia motivar tanto, um simples homem, que cansado, resolvera, por assim dizer, se suicidar, empunhando sua arma e avançando. Um simples gesto, que fazia um pelotão inteiro avançar, encurralando o inimigo.

Hoje se perguntam quem realmente era o inimigo, nossos inimigos não eram os homens que atiravam em nós, que morriam conosco, que matavam conosco, que se suicidavam, nossos verdadeiro inimigo era nossos ideais, palavras que nos motivavam, gestos que nos comandavam, e aqueles que por nós morreram.

Estes foram nossos maiores inimigos, hoje o nosso desafio é manter-se vivo, com a mente sã, e esta é a maior de todas as batalhas, que nem todos conseguiram vencer, é uma luta árdua, travada todos os dias. Ela nos acorda de noite, não nos deixa dormir, assim como nos campos, ela quer nos vencer.

As crianças gostavam de ouvir suas histórias, divertiam-nas ver o tio todo empolgado, falando baixinho, com uma autoridade de quem foi um grande general, para eles não fazia a menor diferença entre um grande capitão, ou um simples enfermeiro, ele esteve lá, tinha uma arma, e fez a guerra. Por causa dele, hoje temos desfile no dia da Independência, balões, fogos, e algodão doce.

francoa

1 de setembro de 2008

Marcas do tempo - X parte

A rua corria ao longe, encostado em seu portão passava o tempo olhando as garotas sorridentes que caminhavam dentro de seus vestidos rendados. Cigarro no canto da boca e uma garrafa de refrigerante na mão esquerda. Permanecia nas tardes de domingo apenas perdendo o tempo entre um cigarro e outro, mesmo não gostando de fumar, precisava, e se não fumasse estaria deslocado de seu mundo.

O primeiro maço foi comprado com o troco de um cliente, apenas trocara o pneu furado e o bom senhor de terno deu-lhe alguns centavos. Isso bastava para iniciar seu dilema, fumar ou não fumar, eis a questão! Ser ou não ser o seu próprio assassino, estar ou não estar na modernidade... Eram questões difíceis de serem respondidas por um jovem de 17 anos. No rádio os comerciais anunciavam o sucesso, mas sua cabeça estava muito mais livre, então, apenas mantinha a imagem.

- Sou muito mais que isso! Bradava aos ventos, gritos silenciosos que não podiam ser ouvidos.

Não gostava dos jovens de seu tempo, eram tão “no sense”, sem sentido de vida, esperando um mundo novo, cheio de oportunidades, todos sonhando em morar numa grande metrópole, mas sem um mínimo de esforço para alcançar os sonhos.

Todos fugiam das escolas, ela não lhes ensinava nada de útil. Eram apenas locais que mantinham pessoas empregadas, nada de mais, sonhos se formavam na velocidade da informação, propagandas de refrigerantes em grandes cartazes, musicais em pequenos teatros, lanchonetes. Tudo era tão vago.... mas era o seu tempo e nada podia contra ele, tinha que adaptar-se, mas como? Sem perdera sua identidade e sem esquecer seus próprios sonhos?

francoa

Marcas do tempo - nona parte

Eram tempos difíceis para manter-se sóbrio. O mundo em guerra, pessoas odiando-se, jovens matando-se, o mudo ficando louco, apesar de uns loucos gritarem por paz.

Assistir televisão era uma tortura pois as notícias nunca eram boas, somente bombas e mais violência.

Triste, sentado no sofá, chorava pequenas lágrimas pelo mundo que ajudara a criar, sabia que fizera parte daquilo tudo, o que tinha se transformado, toda aquela ideologia de um mundo livre de tiranos, em que as pessoas teriam a liberdade para escolher seu destino, tudo transformando em mais ódio, mais violência. Novos inimigos (estes muito poderosos) e intolerância.

Participou da campanha pelo mundo livre do racismo, que deu direito a negros de serem felizes e livres, a liberdade sempre estava em voga, antes os negros não tinham direitos, nada podiam contra quem os humilha, agora estavam armados, antes tinham apenas as armas, os pensamentos e os ideais. Hoje tinham as munições, balas de chumbo, tão poderosas quanto uma idéia.

Queriam um mundo livre, então criavam muros que separavam os ideais opostos. Era estranhamente irônico: pessoas que antes defendiam a total liberdade, hoje pregando a arbitrariedade.

E ele sentado no velho sofá, aquecendo-se ao lado do fogão à lenha, cheirando fumaça de madeira verde. Sentia um remorso por ter ajudado a construir este mundo. Não disparou um único tiro, mas falaram à multidões sobre suas idéias e estas foram as piores armas usadas.

Hoje, nada podia contra os homens que ajudara a tomar o poder, era apenas um velho solitário que se sentia inútil, a cada notícia retratando a morte de um jovem, pedia para morrer em seu lugar.

– O que me tornei? Gritava consigo mesmo todos os dias, não entendia como idéias tão boas poderiam matar tantas pessoas inocentes.

francoa

Marcas do tempo - oitava parte

Como é bom sentir o vento em suas asas, uma luta árdua para ver quem é o mais forte: o vento ou suas asas. – Mais rápido!!!! Mais, mais!!! Sentia como se fosse ordenado por seu brinquedo, a velha pandorga puxada contra o vento que insistia em não levantá-la. Nunca aprendera como empinar pipa, então corria contra o vento obrigando-o a voar, aos poucos ia cansando, perdendo as forças, mas sentia-se cada vez mais forte, nada podia contra eles.

Quando JJ chegou, ele já estava sentado junto ao meio fio que separava a empoeirada estrada e o pequeno passeio. Cansado, sujo, mas com um sorriso que cativava qualquer um, era uma criança feliz, apesar de todas as dificuldades. Nunca faltou comida em sua mesa, o mesmo não pode se dizer de suas roupas, como a velha calça rasgada nos joelhos. – Mas foi um tombo incrível, mãe! E não foi culpa minha, o JJ me derrubou, eu juro! Disse à ela quando chegou em casa com os joelhos pingando sangue, a dor era insuportável, mas mantinha o lindo sorriso no rosto.

- Como foi?

- Cara, foi muito bom, ela voou muito alto! Quase não conseguia segurar o fio, tinha vida própria.

- Duvido!

- Por quê? Não podes?

- A tua não voa, e tu não sabes empinar.

- Ahhh! Cara... tu não sabe nada, eu mudei o ângulo de incidência, e ficou muito bom, quer ver?

- Quero!

- Está bem, amanhã te mostro, hoje estou cansado.

- Duvido, mas deixa pra lá.

Eram amigos fieis, nunca brigavam, por mais viris que fossem. JJ era mais velho e também mais esperto, nunca perdeu uma aposta, só apostava quando sabia que podia ganhar, por menor que fosse o prêmio: uma bala ou uma pedra, mas nunca perdera.

Suas casas eram próximas. De manhã, nem bem acordavam, já estavam juntos em frente à casa de dona Lucinha, uma simpática senhora que sempre preparava o café da manhã para os meninos. Saíam de casa correndo para ver quem chegava primeiro na casa da vó Lu (era como a chamavam). Ela sempre querida, recebia os dois com um forte abraço. – Meus meninos! Como vocês crescem rápido! Exclamava todos os dias. Entrava, sentavam em frente ao fogão à lenha e impacientes esperavam o pedaço de bolo com chá que era preparado na hora, o bolo tinha que ser de laranja, eles adoravam.

Depois, cada um lavava seu prato e sua xícaras colocavam-nas no escorredor, agradeciam e saiam pela longa rua correndo, apostando quem era o mais forte ou o mais rápido. Nunca chegaram à conclusão, mesmo JJ perdendo quase todas as corridas. Consideravam-se imbatíveis.

– Eu com a minha força e você, JJ com a sua inteligência, somos imbatíveis.

francoa