21 de dezembro de 2016

Marcas do tempo - sétima parte

Numa tarde ensolarada de outono, quando as folhas teimavam em manter-se em seus galhos, cachorros corriam brincando na grama verde de seu pátio, crianças pulavam corda cantado canções embaladas pelos ritmos das passadas, garotos ficavam parados nos muros olhando garotas que fingiam não se importar com os olhos que perseguiam seus corpos.

Enquanto ficava conversando com sua esposa sobre planos para o futuro, falando de crianças brincando de roda em seu pátio, filhos, netos e outras coisas. Em instantes lembrava que quase não tivesse a chance de ter um tempo a perder. Poderia nunca ter voltado do campo, foste pior que imaginava, mas não foste tão duro quanto a nova vida que levava. Ainda sentia-se torturado, acordava de noite aos prantos, sempre tivera um ombro amigo para acolhe-lo, e ela cada vez que o olhava, sentia a graça por estar de volta.

Talvez nunca teriam netos, ou até mesmo filhos, mas esta era uma experiência que queria ter, mesmo que tivesse medo, queria ter, pensava em deixar seu nome para novas gerações, não fizera nada que merecesse uma medalha, não matara, apenas serviu ao seu país, salvaste vidas, mas vidas salvas não ganham prêmios, bravuras sim. E ele não foste bravo, não que lhe faltaste coragem, muito pelo contrário, era um dos mais sábios e bravos do campo, mas por ser enfermeiro, não o deixavam se expor.

A cada corpo que caía em combate, muitos mais cairiam se ele não estivesse lá. Nunca deixavam que se arrisca-se precisavam do “médico”, nem que fosse para apenas colocar um pouco de morfina em suas cicatrizes. Por mais que nada adiantasse fazer apenas acalmava a dor.

Tantos rostos sofrendo e hoje aqui nesta cadeira olhando as crianças brincando, fica aquela sensação de que nada valeu a pena, - Pelo o que lutamos? E seus filhos? Nunca encontrou respostas se foram justas as quedas, se todo o sangue derramado limparia a vergonha que hoje sente.

Marcas do tempo - quarta parte

- Estou sem fome!; pensou quando chegou a cozinha, - Não quero preparar nada complicado para comer; mesmo que quisesse,  seu cardápio não era variado, nem em condimentos, nem em especialidades, normalmente fazia um arroz, com ovo frito e um pedaço de carne com molho de tomate, todos os dias. Nunca faltava carne, a maioria dos alimentos eram ganhos em troca de trabalho, sua aposentadoria não lhe ajudaria em preparar um banquete, e poder comer carne, já era de bom grado.

Todos os dias, ajudava os feirantes a montarem suas barracas no comércio popular, não era um trabalho dos mais fáceis, mas ele precisava, então não reclamava, agradecia o pouco que lhe davam, mesmo se não dessem nada ele faria, apenas para sentir-se útil, e os feirantes o ajudariam com ou sem trabalho, gostavam deve. O conheciam a muito tempo.

Na primeira vez que ele chegou à feira, foi há muito tempo, recém voltara do campo, ainda era jovem, apesar das marcas no corpo e as cicatrizes no rosto não condizerem. Foi num verão muito quente, logo que desceu do ônibus, foi a praça reencontrar a sua amiga, e lá estava ela, no mesmo lugar, grande, forte e bonita, lindas flores cobriam seus galhos, olhas verdes. Ficou por um tempo parado em sua frente olhando-a como se fosse a única coisa que existisse naquele lugar, largou a pesada mochila no chão, caminhou até ela e começou a acariciar seu tronco. Nele ainda havia marcas em formatos de coração que com o tempo fora descascando, hoje não mais permitido fazer.

Ao final da tarde retornava ao comércio para terminar a sua tarefa, depois de desmontar as barracas, recolhia seu por assim dizer salário e voltava para a casa, não sem antes olhar o seu retrato.


francoa